sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

o dia-a-dia de um mecânico de aviação comercial - parte 1

por Lito: www.avioesemusicas.com
Depois de insistentes pedidos de muitos leitores, vou tentar descrever o dia a dia de alguém que trabalha em aviação comercial.
Antes de começar é preciso esclarecer que cada empresa aérea tem o seu procedimento e modus operandi, portanto é bem provável que algumas das coisas que eu venha a descrever aqui não sirva para todas as empresas.
Outro ponto importante é o fato de eu trabalhar em uma empresa estrangeira, o que definitivamente deixa as coisas bem diferentes no aspecto de procedimentos, então tentarei ser o mais correto possível em relação à maioria das empresas, pois sei que até mesmo entre as internacionais há grandes diferenças. A aviação geral e executiva é totalmente diferente e não falarei sobre esse nicho.
Dito isto, vamos ver mais ou menos como funciona a manutenção diária na aviação comercial (isto vai dar pano pra manga, não sei quantas partes vão ter, então já comecem tomando Lexotan pra não ficarem ansiosos pelos próximos capítulos…rs).
Há basicamente 4 tipos de manutenção nas aeronaves:
1- Manutenção de Linha – que é feita durante o trânsito das aeronaves no aeroporto, ex: A aeronave chegou de um lugar e vai sair dentro em breve para outro.
2-Manutenção de Hangar/Diária – é feita normalmente quando a aeronave tem um tempo de solo superior a 6 horas entre a chegada e a próxima saída. São feitos serviços e checks mais demorados.
3- Manutenção de checks de letras: A, B, C – Estes são trabalhos mais longos que requerem vários técnicos para cumprir uma vasta papelada. Seria equivalente a uma revisão no seu carro, onde são trocados filtros, velas, lubrificações de superfícies, etc. Estes checks são chamados de rotina, pois a cada “X” horas de voo ele vence e tem que ser refeito.
4- Overhaul – Não, não é o overhauling pra tunar o avião..rs.. esse é o tipo de manutenção mais profunda na aeronave (também chamada de Heavy Check). Neste tipo de check o avião é literalmente desmontado e remontado, a pintura é refeita e ele sai como novo. O heavy check também é controlado pelas horas de voo, em média a cada 3 ou 4 anos é feito um (claro que tem avião que voa o dia inteiro e tem uma ciclagem grande (pousos e decolagens) e esse tempo pode ser reduzido).
Eu trabalho em manutenção de linha misturado com diária, então vamos focar neste tipo de manutenção.
O dia começa com você passando pela maldita segurança de acesso a rampa, onde temos que colocar todos os pertences pela máquina de Raio X e passar pelo detetor de metais, exatamente como os passageiros. O problema com esta segurança é que mecânicos geralmente possuem ferramentas nos bolsos (dãããããã) mas não podem entrar nem sair com essas ferramentas do aeroporto (a menos que consiga uma carta autorizada da Infraero que vence a cada x meses). Estranho né? Ainda mais se você pensar que todos os funcionários do aeroporto são fichados e têm os antecedentes levantados antes que possa pegar um crachá.
Enfim, depois de passar pela segurança e entrar no pátio, a primeira coisa a fazer é colocar o protetor auricular! Tudo bem que barulho de avião é música, mas para continuar ouvindo você tem que se proteger. A média de ruído na rampa é na faixa de 85DBA, seria como todo dia ir a um show de rock por 6 horas seguidas!
Aviação Internacional
O início do turno começa tranquilo, as aeronaves ainda estão em voo, vindo de muito longe. Como será que estão estas aeronaves? Será que têm algum problema mecânico? Quando elas pousarem para qual posição do aeroporto irão? Será que o APU está funcionando ou vamos ter que conectar GPU?
Será que dá pra saber isso com antecedência?
Uma parada aqui pra poder responder as perguntas acima.
Antes de continuar é preciso revelar uma coisa que pode deixar os que têm medo de voar desconfortáveis: Aviões podem voar com problemas #prontofalei.
Pois é, em quase 100% dos casos, o avião que você vai embarcar pode ter um problema.
Mas isto não é uma má notícia! Pelo contrário. é até boa notícia, vou explicar.
Uma aeronave possui inúmeras redundâncias em seus sistemas, e quando algum equipamento dá problema, significa somente que a aeronave vai voar com a sua redundância diminuída. E é melhor saber isso antes de decolar, por isso a boa notícia :).
Seria como se o seu carro tivesse duas lâmpadas de seta para cada lado, se uma lâmpada queimasse, a outra ainda continuaria sinalizando as curvas (segunda redundância)
Aí você pergunta: Mas e se a outra luz de seta também queimar?
Não tem problema, é só abrir o vidro e sinalizar as curvas com a mão! (terceira redundância).
Mas como são categorizados os problemas no avião? No caso do carro, a seta é fácil, mas e se fossem os faróis em uma viagem noturna? Ou a alavanca do câmbio quebrada?
Bem, continuem lendo porque eu tenho que explicar essa parte pra poder voltar as perguntas lá de cima [se é possível saber os problemas que um avião tem com ele ainda em voo]
Então, os problemas são categorizados por ordem de importância em um manual que se chama MEL. Quem acompanhou as reportagens sobre o acidente do TAM3054 em Congonhas deve ter ouvido várias vezes a palavra MEL, que autorizava o avião a voar com reversos “pinados”.
O MEL (Minimum Equipment List) é um manual que lista diversos equipamentos de uma aeronave catalogados por área, e esta lista indica quantos equipamentos de um determinado sistema a aeronave possui e se é possível despachar o avião com um desses equipamentos “inop”. Se for possível, por quanto tempo este equipamento pode ficar inop? Se for possível, o que a manutenção tem que fazer para despachar? Se for possível, o que a tripulação tem que mudar em seu procedimento? Se for possível, o que o DOV precisa mudar no plano de voo e no balanceamento?
Se algum equipamento der uma pane e não houver menção a este equipamento no MEL, automaticamente o avião entra em uma condição NO GO, que significa que não pode voar.
O MEL é o manual mais importante para o despacho de um avião pela manutenção, e ele só está abaixo do comandante do voo, ou seja, mesmo que o MEL autorize determinada falha, o Comandante é quem decide se aceita ou nega o voo com aquele problema.
Dentro do próprio MEL há categorias de problemas identificados por letras que significam o tempo máximo que aquele problema pode continuar sem reparo. Estes tempos variam de 1 dia até 120 dias (problemas realmente graves ou somente uma luz de leitura do passageiro).
Há problemas também catalogados por condição atmosférica ou hora do dia. Fazendo analogia com o exemplo do carro, com uma luz de seta inop, você poderia dirigir sem problemas por 10 dias. Com duas luzes inop, você teria que sinalizar com a mão, LOGO, não poderia dirigir a noite nem em condição de chuva extrema e teria que consertar em 3 dias.
Entenderam sobre o MEL? Ótimo, porque eu não vou entrar no assunto de problemas que não são cobertos pelo MEL…rs. Ah, antes que eu esqueça, o MEL é redigido pelo próprio fabricante da aeronave (MMEL – Master MEL) e cada empresa altera o MMEL para sua realidade operacional, sempre RESTRINGINDO mais coisas do que o que o fabricante redigiu. Exemplo: o fabricante não coloca luzes de leitura no MEL, mas a maioria dos operadores acrescentam esse problema para poder ter melhor controle sobre tempo de reparo e defeitos.
Voltando à nossa rotina, como é possível saber se o avião que está vindo pousar daqui a pouco no meu aeroporto tem problemas?
Fácil, basta acessar o sistema de manutenção da empresa e verificar pelo prefixo da aeronave quais os problemas que outras bases deferiram (no Brasil isto é chamado de ACR – ação corretiva retardada), porque se o problema estava presente no MEL, é obrigatório documentar (aliás, é obrigatório documentar qualquer intervenção de manutenção ou defeito).
_Hummmmm Lito, acho que esta parte eu entendi, mas e se ocorrer um problema DURANTE o voo de vinda, dá pra saber também? E porque é necessário saber dos problemas antes do avião chegar?
Essa parte vai ficar para o próximo post: A maravilha chamada ACARS

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